quinta-feira, 6 de março de 2025

CINCO POEMAS DE JAMESSON BUARQUE* (2016)

Então nos disseram para temer

dizendo-nos que não tínhamos certezas

Chamaram-nos de ignorantes

rebatemos, mas de olhos líquidos

Insistiram que não sabíamos enxergar

respondemos, mas de dedos torsos

Acrescentaram que não tínhamos tato

então, confiamos, saindo do sonho

Dissemo-nos Isto não é certo, não é

não fazemos nada certo, e repetíamos

Isto não é certo, não é, não fazemos nada certo

e cedemos nossa cabeça em bandejas

deixamos nosso corpo e nossa casa

de mãos lavadas dando as costas a cipoadas

sem mais dizer

nada

 [2]

À deriva não, não é à deriva

não há mar, foi sequestrado

quando houve, naquele tempo

quem naufragou, as horas suprimiram

No mar, quando alguém sucumbe

até o nome dos ossos se afogam

Não, não é, não é à deriva

não há túnel de vento, nem vento

a brisa já é uma velha desconhecida

quem a conheceu, o cemitério levou

Num túnel de vento, quem se perde

até as horas não presenciam

Estamos na escrita arruinada

sem morfologia nem sintaxe

e de nossa voz, o passado

já se olvidou que fomos um povo

Na ruína, do que fomos

nem o pesadelo resta

 [3]

Somos insolúveis, e isso

não é drama, é tragédia

Olhamos adiante para repetir ontem

e quando envelhecemos

voltamos ao pretérito

Aí as horas nos enrijecem e jamais

tornamo-nos monumentos

Não nos adianta feriados nem férias

continuamos adiante

sem linha obtusa nem curva

Seguimos à vela, queimando

até extinguir nossas pernas

 [4]

Não, nenhuma época foi

mais nem menos indigente do que esta

sabemo-nos existentes, é patente

somente da que vivemos, e não adianta

recorrer às enciclopédias

nem se imaginar no ciclo das águas

nelas não nos misturamos e passam

mas amamos, é verdade

uma sobressaltada mansidão

e até aprendemos a fabricar a calma

contudo, também odiamos

ou nos entregamos à invisibilidade

 [5]

Para expatriar-se desta terra

sequer

precisamos sair dela

nem devemos

basta permanecer em seu colo

que logo sem teima

o exílio um dia chega

Estarmos lá não dá saudade daqui

que aqui já é

o lugar da ausência

Se alguém acaso disser Há horizontes

sabe-se, há horizontes em todo lugar

Se fizermos uma faxina

um dia

em todos os palácios desta terra e transformá-los

em casas de festa e de oferendas

aí deixaremos de aguardar

horas inexistentes

*Professor da Universidade Federal de Goiás - UFGO

(FONTE: https://ermiracultura.com.br/2016/12/02/cinco-poemas-de-jamesson-buarque/?form=MG0AV3)

CURADORIA: Curadoria de Luís Araujo Pereira

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